Radiação do bem
Irradiação aumenta a vida útil dos alimentos e pode ajudar a diminuir o desperdício de comida no Brasil
Medo infundado que brasileiros aprenderam a ter da radiação ionizante limitam o potencial da tecnologia, que pode servir, inclusive, para garantir a segurança alimentar no país. A irradiação de alimentos aumenta a vida útil dos produtos e pode ajudar a diminuir o desperdício de comida no Brasil, que compromete mais da metade da produção nacional
As tragédias naturais que ocorrem no mundo altera a forma como o ser humano enxerga o espaço onde vive. Mas, não necessariamente, isso significa algo positivo. Se por um lado as catástrofes abrem precedentes para novas formas de consumir e explorar o meio ambiente com sustentabilidade, por outro, criam estereótipos e medos desnecessários, em relação a tecnologias que têm potencial de beneficiar, sem risco algum, toda a sociedade brasileira. No campo da radiologia, por exemplo, o medo que se instalou mundo afora por conta das tragédias em Fukushima, no Japão, onde houve vazamento de material radioativo após um intenso terremoto no início deste ano, prejudica a aplicação da tecnologia em outros setores.
De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Brasil desperdiça média de 64% de todos os alimentos que produz. Isso se deve a vários fatores, que vão desde a atrasada logística de distribuição até a contaminação por bactérias, parasitas, vírus e toxinas. Isso significa dizer, inclusive, que o Brasil é autosuficiente neste setor e, portanto, não deveria haver fome em nosso território. O alimento que poderia matar a fome de milhares de brasileiros abaixo da linha da pobreza está indo direto para o lixo, por falta de planejamento e tecnologia.
Segundo a presidenta do Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER), Valdelice Teodoro, grande parte do problema poderia ser resolvido com uma medida simples. “A radiação oferece vários benefícios e não se restringe, tão somente, à área da saúde e energia. O Brasil pode adotar um modelo de irradiação de alimentos que não oferece risco para o consumidor, mas evita que os alimentos apodreçam ou se tornem inadequados para o consumo humano. A vida útil de uma fruta, por exemplo, pode passar de vinte dias para noventa dias, se ela for irradiada”, destaca.
A irradiação de alimentos é um processo semelhante à pasteurização térmica, ao congelamento ou enlatamento. Consiste na exposição do alimento, embalado ou não, a um dos três tipos de energia ionizante, que são os raios gama, raios-x ou feixe de elétrons. O procedimento é feito em uma câmara especial com um equipamento chamado irradiador. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a irradiação de alimentos tem finalidade sanitária, fitossanitária e tecnológica e os alimentos que passam por este processo são totalmente seguros para o consumo humano.
Para se ter uma ideia de como a tecnologia pode aumentar a vida dos alimentos, o Centro de Energia Nuclear da Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP) analisou alguns produtos. O arroz tem vida útil de um ano, mas, se for irradiado, pode ser estocado por até três anos. Outros exemplos são o mamão papaia e a manga, que aumentam sua expectativa de vida de sete para vinte e um dias, depois de irradiado. O mesmo vale para carnes, leite, vegetais, frutos-do-mar etc.
Em relação à segurança do procedimento, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), dos EUA, e a Organização Mundial de Saúde (OMS), garantem que os alimentos submetidos à irradiação não armazenam substâncias tóxicas para o organismo humano, pois os níveis de radiação que sofrem são insignificantes.
Apesar de diversos estudos comprovarem a segurança e a viabilidade técnica da irradiação de alimentos, as agências de vigilância sanitária da maioria dos países em desenvolvimento relutam em adotar o mecanismo. A técnica é pouco explorada pelas indústrias brasileiras, tanto em face do custo de instalação dos equipamentos, quanto por conta de uma suposta resistência do consumidor à compra desse tipo de produto. No Brasil, o alimento irradiado deve conter esta informação na embalagem.
“Até entendo que possa haver preconceito do brasileiro em relação ao uso da radiação ionizante em alimentos, o que não entendo é a falta de uma ação proativa do governo para esclarecer o assunto. Vale salientar, por exemplo, que sem radiação não existe saúde pública. Como identificar um trauma sem raios-x? Do mesmo modo, arrisco-me a dizer que sem o uso da radioatividade não poderemos conquistar a segurança alimentar que tanto almeja o governo federal. Sem dúvidas, podemos usar a tecnologia para garantir a diminuição do desperdício, sem que isso represente risco social”, afirma a presidenta do CONTER, Valdelice Teodoro.
A Resolução RDC 21/2001 regula o tema no Brasil e define os parâmetros de segurança para irradiação de alimentos que, historicamente, significa mais uma ação humana para preservar os alimentos, como já ocorreu em outros momentos históricos, quando foram adotados o processo de congelamento, secagem, enlatamento, pasteurização e aplicação de aditivos preservantes.
Outro problema que poderia ser resolvido com a irradiação é a germinação prematura de raízes e tubérculos e maturação dos alimentos, fenômeno que ocorre, principalmente, em países de clima quente como o Brasil. Quem nunca chegou em casa de uma viagem e encontrou as batatas cheias de brotos? Pois é. Se ela for irradiada isso não acontece, pois o fruto se torna estéril.
No Brasil, embora os governos e as agências de fiscalização conheçam a segurança do processo de irradiação de alimentos, o uso da tecnologia ainda é insignificante. Existem apenas duas instituições que pesquisam o tema. Uma é a Cena/USP, citado anteriormente nesta matéria e o Instituto de Pesquisas Nucleares, também da Universidade de São Paulo que, além de pesquisar, realiza um trabalho de sensibilização junto aos produtores do estado, para mostrar os benefícios e vantagens de irradiar a produção.
“Além de garantir o abastecimento interno, a irradiação de alimentos pode aumentar o potencial de exportação do Brasil. Chegou a hora de discutir politicamente o desperdício de alimentos. É inadimissível ver gente passando fome num país que produz tanto. A produção de um país deve atender aos interesses do povo e não deve se limitar ao enriquecimento dos produtores. Esses últimos alegam que a irradiação dos alimentos é inviável do ponto de vista econômico, mas basta observamos as margens de lucro do agronegócio brasileiro para constatar o contrário. Inviável é ver nossos concidadãos sem alimento na mesa, por falta de estrutura e tecnologia aplicada”, considera Valdelice Teodoro.
A adoção do processo de irradiação de alimentos desencadeia uma série de benesses sociais. Com a diminuição do desperdício, vai haver mais oferta de alimentos no mercado e, consequentemente, isso impacta nos preços oferecidos ao consumidor final. Ademais, abre um novo nicho de mercado para os técnicos e tecnólogos em radiologia no setor industrial, ainda pouco explorado por essa classe profissional.
De acordo com a pesquisa “Atitude do Consumidor frente à Irradiação de Alimentos”, coordenada pela pesquisadora Cléia Batista Dias Ornelas, da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 59,6% dos entrevistados não sabiam que a irradiação é um método de conservação de alimentos e não saberiam dizer se consumiriam um produto desses; 16% acreditam que alimentos irradiados significam o mesmo que alimento radioativo; e 89% consumiriam alimentos irradiados se soubessem que a medida aumenta a segurança alimentar. Na conclusão do estudo, a pesquisadora afirma que “Os consumidores estão cada vez mais exigentes em relação à escolha de seus alimentos, e têm demonstrado grande interesse em conhecer novas tecnologias. Muitos deles estão propensos a comprar alimentos obtidos ou tratados por métodos alternativos. Entretanto, a maioria gostaria de receber mais esclarecimentos sobre o assunto, evidenciando a necessidade de educação e divulgação mais ampla. Esta proposta, se colocada em prática, poderá abrir o mercado para os alimentos tratados pela irradiação conforme verificado neste estudo, já que é a falta de informação a questão limitante da popularização desta tecnologia.”
Fonte: Site do Conter