Com a devida vênia, nós precisamos ir além
No início deste mês, o trecho de um voto do ministro do STF Joaquim Barbosa que cita os conselhos profissionais, nos autos do MI 1952, ganhou grande visibilidade nas redes sociais.
Muitos internautas compartilharam o pensamento do magistrado, que disse o seguinte:
“…os conselhos de fiscalização profissional não são entidades autônomas, mas sim autarquias inseridas na estrutura do Poder Executivo Federal, dotadas de competências administrativas específicas e submetidas ao controle ou supervisão de altos órgãos da Administração Pública direta, quais sejam, dos Ministérios de Estado…”
“…os conselhos e ordens profissionais são completamente distintos das entidades de classe e não podem, em razão de sua precípua função institucional de controle, desempenhar o papel destas últimas, que é voltado à defesa dos interesses dos membros de uma determinada categoria ou classe de profissionais. Acrescento, ademais, que os conselhos, na atividade administrativa de regulamentação e fiscalização do exercício da profissão, poderão estar, muitas vezes, em lado oposto ao dos interesses da própria categoria…”
Sobre a primeira assertiva, concordo em gênero, número e grau. Os conselhos, embora não recebam recursos diretos da União, fazem parte do Poder Executivo Federal e, como tal, possuem função precípua e estão submetidos à supervisão dos altos órgãos de controle do estado. As autarquias de fiscalização têm poder de polícia administrativa e são responsáveis por manter a inscrição das pessoas legalmente habilitadas, normatizar e fiscalizar determinada profissão. Ponto.
Já sobre a segunda afirmação, com todo o respeito, peço licença para discordar, em tese, do ministro Joaquim Barbosa. Como profissional das técnicas radiológicas que milita há mais de 20 anos e conhece a realidade do mercado, gostaria de tornar pública a minha humilde opinião, que não é meramente jurídica, é empírica.
Neste ponto, vale ressalvar que a maioria dos profissionais das técnicas radiológicas não conta com representações sindicais devidamente estruturadas em suas cidades. Este é um fator preponderante, apenas, em algumas capitais e regiões metropolitanas mais desenvolvidas. No interior do país e nas regiões menos abastadas, os trabalhadores estão desamparados, sem ter a quem recorrer como entidade de classe quando lhes privam dos direitos constitucionais básicos. Tanto que, quando nos procuram, os profissionais já o fazem como última instância.
Nas situações em que as representações sindicais podem atuar, reconhecemos seu esforço. Mas, infelizmente, não tem sido suficiente para evitar o agravamento da precarização do serviço público.
Não obstante, o desrespeito aos direitos sociais básicos dos profissionais das técnicas radiológicas não é raro e nem exceção. A maioria dos contratantes, sejam eles do setor público ou privado, não respeita, sequer, o piso salarial e a carga horária da categoria que, inclusive, foram assegurados pelo STF, nos autos da ADPF 151.
Pois bem, os conselhos profissionais não são entidades de classe, fato. Sua natureza é completamente diversa. Contudo, de acordo com o Artigo 12 da Lei n.º 7.394/85, que trata da criação do CONTER e seus respectivos Regionais, a instituição tem como função, entre outras coisas, a defesa da classe profissional que regula, no sentido literal da palavra.
Da mesma forma, o Código de Ética Profissional dos Profissionais das Técnicas Radiológicas nos leva a uma profunda reflexão sobre o real papel de um conselho de classe que, diante da realidade do país, não pode se limitar a observar o caos instalado nos serviços de Radiologia. O conselho é parte interessada na dissolução das mazelas do estado.
Somos uma personalidade jurídica de direito público. Em todos os juizados, temos reconhecida legitimidade para impetrar ações. Portanto, nada nos impede de agir, quando os interesses de classe coadunam com o interesse público. O que não se pode, de forma alguma, é defendermos o interesse particular da classe em detrimento do interesse nacional. Resta claro.
Em todas as legislações que nos regulam, está expresso o dever público e cívico de valorizar a profissão e zelar pelos que a exercem. Isso significa defender a correta aplicação dos direitos e deveres constitucionais dos profissionais das técnicas radiológicas, com todas as ferramentas que o estado democrático de direito oferece.
Todo o regramento que citei não me permite cruzar os braços diante das injustiças que me deparo todos os dias. Afinal, o que esperam de mim os magistrados? Que eu não faça nada quando tomar nota de uma Técnica em Radiologia gestante exposta indiscriminadamente à radiação ionizante? Que eu não defenda profissionais expostos a cargas massivas de trabalho? Que eu não faça nada se souber que uma universidade contrata profissionais complemente fora da lei? Que eu fique inerte diante de um concurso público totalmente irregular? Que eu assista à invasão do nosso mercado de trabalho e consequente exercício ilegal da profissão? Lamento, não posso. Tenho o dever de processar, em nome do Brasil.
As instituições são pessoas e elas têm o direito de se indignar diante das injustiças, independente de sua organização social. Seria uma infração ética gravíssima de minha parte tratar com indiferença qualquer situação dessas citadas acima, pois somos uma instituição com propriedade para propor solução adequada e sem vícios para os problemas em curso.
Obviamente, nossa função constitucional é normatizar e fiscalizar a profissão, para garantir a boa prestação do serviço e a segurança do povo brasileiro. Entretanto, nossa atividade precípua não nos impede de agir pela cidadania e pela legalidade.
No que diz respeito aos serviços públicos de saúde, a realidade do Brasil representa um abismo entre o que diz a lei e o que acontece na prática. Se não fosse pelo ativismo judicial dos conselhos de classe, todos os preceitos profissionais garantidos pela Constituição já teriam caído por terra. Isso causaria enorme retrocesso ao país, que já é sobremaneira atrasado nesse aspecto.
A verdade está nas ruas e hoje ela reverbera nas redes sociais. Como pessoas públicas, somos compelidos a todo o tempo por problemas imediatos, situações graves, que exigem respostas rápidas. Além de nós, na maioria dos casos, não vemos ninguém para processar as informações e tomar providências. Portanto, não nos resta outra saída, se não, defender as prerrogativas da classe como viés para o alcance do interesse público.
Meu sonho é chegar ao dia em que poderemos nos dedicar exclusivamente à fiscalização e organização da profissão. Contudo, ainda é um ideal distante. Diante da desorganização e arcaísmos da estrutura administrativa do país, não nos resta outra saída se não agir pelo certo, em defesa dos margilalizados e de quem mais precisa.
Por Valdelice Teodoro, presidenta do CONTER
Fonte: Notícia do Site do Conter