Pejotização
Trabalhador forçado a abrir firma para prestar serviços tem reconhecido vínculo empregatício com empresa
Para quem atua na área da saúde, resta evidente que o dinheiro não pode vir em primeiro lugar. Obviamente, todos precisam pagar as contas no final do mês mas, para lidar com a saúde das pessoas, principalmente aquelas mais humildes, o profissional precisa ter humanidade e colocar os pacientes em primeiro lugar.
Alheias a essa necessidade, algumas empresas, visando obter cada vez mais lucro e redução de custos, adotam de uma prática que já foi execrada pela Justiça do Trabalho, a chamada “pejotização”.
Por meio desse modelo de contratação, o trabalhador é obrigado a constituir uma pessoa jurídica e, assinando um contrato de prestação de serviços, passa a trabalhar para a empresa, na realidade, como empregado, mas, formalmente, como prestador de serviços autônomo. Dessa forma, a contratante se beneficia da mão-de-obra contratada, sem ter que arcar com os encargos trabalhistas e previdenciários do trabalhador.
De acordo com a presidenta do Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER) Valdelice Teodoro, essa é uma prática recorrente nos serviços de Radiologia de alguns estados e deve ser combatida, pois representa uma ameaça aos direitos da classe. “O mercado de trabalho na nossa área é bastante competitivo e, muitas vezes, quando o profissional recebe uma oferta desse tipo, tende a se submeter a condições indignas de trabalho, por necessidade financeira. Mas devemos lembrar que é uma questão ética e, a partir do momento em que agirmos como classe e não aceitarmos ofertas de empresários inescrupulosos, estaremos fazendo um bem à profissão, que não deve se curvar ao mercado”, afirma.
Esses casos já são conhecidos e uma larga jurisprudência a respeito vai sendo construída pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). O caso mais evidente é o processo de uma famosa jornalista que trabalhou por quase doze anos em uma grande emissora de televisão, na forma de sucessivos contratos de locação de serviços, em que a profissional fornecia a própria mão-de-obra. O Tribunal Regional do Trabalho reconheceu a fraude e declarou a relação de emprego, que foi confirmada pelo TST.
Como profissional das técnicas radiológicas, se você se encontra nesta situação, não deixe de cobrar seus direitos na justiça do trabalho. Empresários exploradores merecem arcar com todos os custos da prática dessa ilegalidade e somente a judicialização desses casos será capaz de estinguir a prática dessas contratações irregulares.
A justiça do trabalho mineira também tem julgado reclamações envolvendo a pejotização. Na 7ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, a juíza substituta Thaísa Santana Souza constatou a existência de fraude na contratação de um trabalhador, por meio da firma que ele constituiu.
O reclamante pediu o reconhecimento do vínculo de emprego com a reclamada, uma empresa de software e consultoria, alegando que sempre trabalhou de forma pessoal, não eventual, onerosa e subordinada, embora tenha sido imposto a ele, como condição para a contratação, constituir pessoa jurídica, com a qual a empresa firmou contrato de prestação de serviços. A ré, por sua vez, negou a relação de emprego, sustentando a legitimidade do contrato celebrado com a pessoa jurídica do trabalhador, que tinha como objeto a elaboração de projetos de informática e implantação de sistemas, tudo para atender a um banco cliente.
Conforme esclareceu a julgadora, cabia à reclamada comprovar que a relação entre as partes não era de emprego, pois, no Direito do Trabalho, prevalece a presunção de que a prestação de serviços se deu na forma prevista nos artigos 2º e 3º da CLT. Mas a empresa não conseguiu demonstrar a sua tese. Por outro lado, as testemunhas ouvidas a pedido do trabalhador declararam, firmemente, que o reclamante atuava, na verdade, como gerente comercial da reclamada, podendo admitir ou dispensar empregados. Ele trabalhava dentro do estabelecimento da ré, que lhe fornecia material e os meios para a prestação de serviços, não podendo se fazer substituir por outra pessoa. Era subordinado aos diretores da empresa, que controlavam o seu horário e impunham-lhe metas. Além disso, as testemunhas garantiram que em todas as funções exercidas na reclamada, com exceção dos serviços de limpeza, havia trabalhadores contratados por meio das firmas que os trabalhadores eram obrigados a constituir.
Também restou provado que a reclamada contratava outros empregados com CTPS assinada, conforme exigência dos clientes, o que evidencia a fraude perpetrada, já que a anotação em CTPS e a regularização da relação de emprego decorrem de norma imperativa, não podendo depender seu reconhecimento pelo empregador da mera exigência de clientes, que não coadunam com esse procedimento irregular, enfatizou a magistrada. O Ministério Público do Trabalho instaurou inquérito civil, para apuração de irregularidades na conduta da empresa, exatamente por esses fatos discutidos no processo, o que, na visão da julgadora, só reforça as declarações das testemunhas.
Para a juíza, ficou claro que a reclamada fraudou direitos trabalhistas, por manter verdadeiros empregados, incluindo o reclamante, exercendo sobre eles o seu poder diretivo, mas sem proporcionar a esses mesmos trabalhadores as condições previstas na CLT. Assim, a julgadora declarou a nulidade do contrato de prestação de serviços firmado entre o reclamante e a reclamada, reconhecendo a relação de entre as partes, no período de 01.10.02 a 19.02.07, com a projeção do aviso prévio. A empresa foi condenada a anotar a carteira do empregado e a pagar as parcelas trabalhistas decorrentes do reconhecimento do vínculo. A reclamada apresentou recurso, mas a sentença foi mantida pelo TRT de Minas.
Fonte: www.conter.gov.br