Pai agricultor, filho técnico, neto doutor
Diploma e emprego formal são principais símbolos da transformação da chamada ‘nova classe média’ segundo Marcelo Neri, da FGV
Os pais são empregados domésticos, pedreiros, cozinheiros. Os filhos, vendedores de lojas, operadores de telemarketing, recepcionistas. O raio X das principais atividades profissionais exercidas nas famílias da classe C dá uma ideia de como a educação tem impactado a vida e a renda da nova classe média brasileira.
De modo geral, essas casas são comandadas por uma geração que exerce trabalhos braçais, com pouca qualificação; os jovens já estão seguindo outro rumo. Um levantamento da consultoria Data Popular indica que 68% deles estudaram mais que seus pais. Nas classes A e B, não passa de 10%.
O baiano Edmundo Nunes, de 57 anos, mudou-se para São Paulo no fim da década de 70 para trabalhar. Quando chegou à cidade, ele conta, só sabia o “abecedário”. Fez o ensino fundamental e não quis mais saber de estudar. A trajetória do filho, Erasmo Ramos, de 28 anos, é outra. Ele chegou a iniciar uma faculdade de Educação Física, mas parou no terceiro ano quando a filhinha, Maria Eduarda, nasceu.
Enquanto não consegue voltar à universidade, Erasmo trabalha como vendedor numa loja de móveis. Com o salário dele e da mulher, também vendedora, já conseguiu comprar e reformar um apartamento num conjunto habitacional. Tem carro, computador, dois celulares e duas TVs, uma delas no quarto da filha de dois anos.
“Meu pai me projetou para um trabalho operário. Queria que eu desse um passo a mais que ele, mas eu corri muito à frente”, diz o vendedor. “Com dez anos de carteira assinada já tenho um patrimônio maior do que o que ele conseguiu acumular a vida inteira.” Para Maria Eduarda, Erasmo projeta uma “maratona”. “Ela vai ser doutora.”
Não só baseado em números, mas também em histórias como essa, Marcelo Neri, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, costuma dizer que o símbolo da nova classe média brasileira não é o consumo, e sim o diploma e a carteira de trabalho. “Subir na vida para essas pessoas é ter educação e estar empregado.”
A classe C que o País conhece hoje começou a se desenhar nos anos 90, quando o Brasil praticamente completou o acesso de crianças de 7 a 14 anos ao ensino básico. Depois, com a expansão do Financiamento Estudantil e a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni), o ensino superior abriu suas portas para uma parte da população que estava excluída desse nível de escolaridade. Hoje, 44% dos jovens que fazem curso superior pertencem à classe C.
O gasto das famílias da nova classe média com mensalidades e material escolar, em universidades e escolas particulares, movimenta cerca de R$ 15,7 bilhões por ano. Em 2002, não passava de R$ 1,8 bilhão – um crescimento de oito vezes no período. “Esse segmento populacional passou a investir em formação e qualificação profissional para se adequar às demandas de contínua atualização no mercado de trabalho”, diz Paulo Carbucci, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “O interessante é que vira um ciclo virtuoso.”
A relação entre educação e renda é facilmente constatada nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): numa família em que todos os membros têm no máximo o ensino médio, a renda mensal está em R$ 1.659,99. Quando alguém conquista o diploma de graduação o valor vai para R$ 4.296,05.
“Como estão mais qualificados, é menor o número de jovens que se interessa por trabalhos braçais”, diz Cláudio Salvadori Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp. “Por isso, já sofremos com a falta de mão de obra em certos ofícios.”
Fonte: Conter